quinta-feira, 29 de julho de 2010
Um pedaço de Pangéia
Um pedaço de pangéia/ João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
64p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-12-7
Literatura brasileira – Poesia
197
O Brasil ainda é um sonho intenso
Tal um raio de amor e de esperança.
Nesse nosso céu azul e imenso,
Continua uma imagem na lembrança:
A de ver nos olhos de cada criança,
A ingenuidade do nativo de outro tempo.
198
O cruzeiro do sul de nossas lendas,
Continua altivo sobre nossas cabeças
Que mudaram com as novas crenças.
O nosso futuro já não nos espelha.
Porém, nosso sangue inspira grandeza
Nos que herdaram nossas consciências.
199
De todos que nasceram neste solo,
És a mãe gentil, o berço adorado.
Ao som do mar, sentado em seu colo,
Brilha o nativo ao sol iluminado.
Somos da América, o povo mais conformado.
Nossa fauna e flora, nosso espólio.
200
Nossos lindos campos estão perdendo as flores.
As nossas florestas sendo desmatadas.
Poucos são os corações que têm amores.
Precisa ser salva, pátria amada, idolatrada.
Respeitar sua bandeira estrelada
E reconhecer os seus valores.
Tríptico
Tríptico / João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
122 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-00-4
Literatura brasileira – Poesia
É NOITE DE NATAL
Escuto o dobrar do sino
e vejo anjos, meninos,
brincando e também sorrindo;
entre eles, um velhinho
chamado papai Noel.
Vejo as estrelas no céu
indicarem um caminho
àquele que está sozinho
a procura de um sinal.
Hoje é noite de natal,
eu estou em pé na porta
a procura de resposta
para um mundo desigual.
Numa banca de jornal
no outro lado da rua,
um menino se insinua
com uma arma na mão,
alguém diz pega ladrão,
ele corre sob a lua
e some na escuridão.
No natal, também há fome,
é a exploração do homem
pelo seu próprio irmão.
Nem o temor à religião
faz mudar o coração
desse rude animal.
Como é noite de natal,
o bem sobressai ao mal,
o sentimento à razão.
É tempo de aprender.
É noite de união,
onde cada coração
tem vontade de dizer:
- Feliz natal.
Sopro poético
Sopro Poético/ João Felinto Neto
Mossoró, 2006. 123 p. (1ª Edição)
ISBN: 85-905035-4-2
Literatura brasileira – Poesia
O MURO
Os tijolos
a amostra,
onde havia uma pintura.
Colorida criatura
que ainda hoje, separa
a minha casa
da sua.
Pelas frestas
se repara
que os anos se passaram.
Nos tijolos que restaram,
já não tem a mesma altura.
Esquisita estrutura
que espia o telhado.
No quintal abandonado
mantém a mesma postura.
Eis o muro,
que mistura
o concreto ao abstrato.
Sonetos numéricos
Sonetos numéricos / João Felinto Neto
Mossoró, 2007. 98p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-14-1
Literatura brasileira – Poesia
SONETO QUATRO
O amor é muito mais que sentimento;
Uma teia de sentidos que nos liga;
Onde a razão se torna submissa
A uma força que permeia o pensamento;
Não segue uma regra ou um exemplo;
Uma mistura de beleza e harmonia;
Um ritual de fé e de magia
Que nos leva ao altar e ao juramento;
Uma viagem para o encantamento,
Onde um instante entre corpos se eterniza
Numa lição onde não há questionamento.
Tal a imagem no espelho refletida,
Que não permite, assim, o nosso isolamento,
O amor é permanentemente em nossa vida.
Sombras & Espelhos
Sombras & Espelhos / João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
121 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-06-6
Literatura brasileira – Poesia
NADA ALÉM
Eu não sou nada
Além de tudo que eu sou;
Um intelecto
Formado de matéria,
Um esquelético
Nascido na miséria,
Um ser estético
Movido por rancor.
O meu valor
É a medida do que tenho.
O meu empenho
É a busca de quem sou.
A minha dor
Não é apenas fingimento.
O meu intento
É tornar-me um vencedor;
Por não ser nada
Além daquilo que eu sou.
Sob meus calcanhares
Reticências desfeitas
Reticências desfeitas / João Felinto Neto – Rio de Janeiro:
Litteris Editora.: Quártica 2006 - 120 p.
ISBN 85-99346-20-2
Poesia brasileira
SEM-VERGONHAS
Eu não queria emudecer,
mas foi por tristeza.
E quando foi você,
não quis perguntar,
talvez por suspeitar
ou ter certeza
que foi minha frieza
que a fez calar.
Eu não queria chorar,
mas as mágoas fluíam.
E quando a vi derramar,
eu não acreditei,
e jamais perguntei
o que todos sabiam,
eu fingi não notar.
O que me deixa tão fraco
é o impulso,
é o querer.
Querer ter mais que o quadro,
ter o autor
e o prazer.
Ante o silêncio da sala,
resignados
ou loucos,
a nossa roupa espalhada,
nós nos amamos,
e aos outros.
Quadrilátero
Quadrilátero / João Felinto Neto – Mossoró, 2006.
123 p. (1ª Edição)
ISBN: 85-905035-2-6
Literatura brasileira – Poesia
ELA
Ela me leva,
me engana
e ainda me desafia.
Levou meu corpo
para a cama,
enquanto me distraía.
Deu-me o fruto do pecado,
enquanto Eva,
e compensou com redenção,
quando Maria.
Em Joana D'arc
foi Vitória,
também rainha.
Já foi de todos
e só minha.
Ela é pouco e é demais.
Como Helena,
ela foi guerra.
Como Tereza,
ela foi paz.
Por minhas mãos
Por minhas mãos / João Felinto Neto
Mossoró: Fundação Vingt-un rosado, 2003.
123p. ( Coleção mossoroense. Série C. V. 1322)
ISBN: 85-89888-05-3
Literatura norte-riograndense – Poesia 2.
ABANDONO
Um banheiro sem cortina,
de uma casa abandonada.
Nada de portas e janelas,
nas portadas o que resta
são dobradiças quebradas.
Quantas cenas relembradas.
Um telhado que faz medo.
Um livro com páginas arrancadas,
um romance sem começo.
A madeira apodrecida.
Uma pia esquecida,
há tanto tempo sem ver água.
Grande fenda que me cabe,
na parede lateral.
Uma flor que ainda se abre
entre a erva do quintal.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Poesia no lixo
Poesia no lixo /João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
121 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-02-8
Literatura brasileira – Poesia
VERGONHA
Pelo desgosto do pai
que vê seu filho
guiado
por mãos erradas.
Pela mulher que chora
diante de seu filho
com as tripas de fora.
Por seu amigo de infância,
outra criança,
filho do vizinho,
que agora, sozinho,
foge pela estrada.
Pela menina
que escova os dentes
na porta da frente,
com um copo de água
na mão,
esboçando um sorriso
sem graça.
Por seu irmão
que não vai à escola
por ter que pedir esmola
na praça.
Pelo bêbado veterano
que vive jogado,
mas insiste que é decente,
só que a sua própria gente
já não o ver assim.
Pela senhora que ora,
pedindo para Deus
mudar aquelas cenas
obscenas
e ter a metade
da piedade
que ela tem.
E por você também,
que não enxerga
um palmo à sua frente.
Pecados de Deus
PECADOS DE DEUS. João Felinto Neto.Pará de Minas, MG:
Editora Virtualbooks, 2010. 63p.
ISBN: 978-85-7953-076-0
Poesia brasileira – Temática Cristã.
O MEU SENHOR
Estarrecedor!
Alguns corpos pendurados,
Mais de vinte mil executados,
Era assustador.
Ver o sol se por
Por trás desse cenário,
Fez-me questionar o meu Senhor.
Como alguém que fez coisas sublimes
É capaz de tão terríveis crimes?
Deus já não merece amor
Por crimes premeditados
E fiéis sempre obrigados
A cometerem atentados
De terror.
Páx-vóbis
Pax-vóbis/ João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
120 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-03-5
Literatura brasileira – Poesia
FILHO ÚNICO
Hoje
Não é apenas mais um dia
Entre tantos, a nascer.
É filho único,
Pois cada dia
Morre ao anoitecer.
Hoje
Tem que ser tão cativado
Quanto o filho que se tem.
Hoje também,
Deve ser comemorado.
Hoje
Nunca tem o mesmo nome;
Pois amanhã,
Será velado como ontem.
Páginas de ontem
Páginas de ontem / João Felinto Neto – Mossoró, 2006.
123 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-01-1
Literatura brasileira – Poesia.
ACEITAÇÃO
Ancião que anda no mesmo caminho
que um dia jovem passou.
Ancião que pisa o próprio coração,
descuidado em meio a tantos cuidados.
Tolo por viver tanto,
sábio pelo mesmo tanto que viveu.
Jovem julgado pela própria fé.
Ancião cético ante a salvação.
Antigo indivíduo de um jovem povo,
povo este que novamente se acomodou.
Ancião em anos de subserviência.
Religião versus ciência,
ódio, versos e amor.
Opalina
Opalina / João Felinto Neto.- Mossoró:
Fundação Vingt-um rosado, 2004.
124p. (Coleção mossoroense. Série C. V. 1432)
ISBN: 85-89888-07-X
Literatura norte-riograndense – Poesia
XADREZ
Sua vez
senhora,
sua vez.
Mais que jogo difícil
é xadrez.
Um cavalo que quer
domar o rei.
Onde o bispo
elimina os peões.
Uma torre
que não pára no lugar.
Uma dama
que domina o tempo inteiro,
a rainha,
a dona do tabuleiro.
Sua vez
senhora,
sua vez.
Olhos de guri
Obscuro
Obscuro / João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-15-8
Literatura brasileira – Poesia
SINTO SAUDADE
Sinto na realidade
Do presente,
Saudade
De um tempo inusitado
Que se encontra em meu passado,
Que passou à minha frente.
Sou um velho sorridente
Que se cala
E sentado à calçada,
Vê seu mundo diferente.
terça-feira, 27 de julho de 2010
O herege
O herege/ João Felinto Neto – Mossoró, 2006.
162 p. (1ª Edição)
ISBN:978-85-905035-7-6
Literatura brasileira - Poesia
- Eu quero ser humano, um mortal
Com o bem e o mal no coração.
A emoção de ser um animal
Que é racional sem ter razão.
- Prefiro viver por poucos anos.
Mas, fazer planos e realizar
O que desejar, mesmo em sonhos.
Estranho, isso o anjo também desejar.
- Quero enxugar as lágrimas em meu rosto,
Sentir meu corpo ao mergulhar.
Quero tocar a face do oposto,
Sentir o gosto com o paladar.
- Quero brincar, me madurar, envelhecer.
E jamais crer em tua salvação.
Quero o perdão para aquele que viver
A ti entreter com oração.
- Desejo que um dia seja escrito
Um livro com a minha triste história,
Em memória de um homem fictício
Sem compromisso com sua glória.
Nome de mulher
Nome de mulher / João Felinto Neto. – Mossoró, 2009.
60p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-21-9
Literatura brasileira – Poesia
ANTÔNIA
Qual roseira
Que brota a vida inteira
E não sente ausência
Ao perder suas flores,
Antônia vive suas paixões e seus amores
Como páginas alheias.
Não importa se a sua face é feia.
O seu corpo é pra servos e senhores.
A felicidade eleita,
São suas dores.
Na fragilidade,
Perde-se em carinhos.
Na futilidade,
Tenta se encontrar,
Acreditando que amar
É o único caminho.
Megalíticos
Megalíticos/ João Felinto Neto – Mossoró, 2008.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-16-5
Literatura brasileira - Poesia
REFORMA
Vejo a noite escancarada
No silêncio
Do meu quarto em reforma
Sobre o alicerce do meu dia.
Desarmonia
Nas ferragens meio tortas,
Onde portas
Entreabertas
Me espreitam.
Não sinto medo;
Só enfado e revolta
Com areia, cal, cimento.
Fina poeira
No meu tosco pensamento.
Livro negro
LIVRO NEGRO (Exaltação à morte). João Felinto Neto.
Pará de Minas, MG: Editora Virtualbooks, 2010.61p.
ISBN: 978-85-7953-078-4
Poesia brasileira
EPITÁFIO VI
Eu sou a arte mais arcaica
Que usa em sua mão prosaica
Uma arma pra ceifar.
Assim, o homem ousou pintar
A minha cara
E à minha saia,
Quis as lágrimas limpar.
Não há razão para chorar
Ou sentir raiva.
Se alguém me abraça,
Jamais tem força pra voltar.
Letras, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano
João Felinto Neto – Mossoró,2007.
122 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-10-3
Literatura brasileira – Poesia
TAMBÉM SOU
O louco
é apenas mal ouvido.
Seu riso,
tenebrosa gargalhada.
Sua fé,
um constante, eu duvido.
Sua mente,
uma porta escancarada.
Seu pedido de ajuda
é um grito.
Seu gemido incontido,
uma dor.
Seu amor,
um abraço emotivo.
Sem motivo,
eis que louco
também sou.
Gravetos
Gravetos / João Felinto Neto – Mossoró,2006.
122 p. (1ª Edição )
ISBN: 85-905035-5-0
Literatura brasileira – Poesia
DEBAIXO DO CHÃO DA CASA
Era um moleque esperto.
Estava sempre por perto
quando algo acontecia.
Um dia, de um pão que comia,
cai no chão um pedaço.
Sua mãe lhe diz: - Tem cuidado,
tu vais dá gosto ao diabo.
Ele olha assustado e meio desconfiado.
Apanha a sobra e come.
Esse moleque tem nome,
é Tito de Malaquias.
Seu pai como de costume,
chega em casa achando graça.
Vai direto para a garrafa
avizinhada do pote.
Põe da cachaça, uma dose.
Derrama a metade no chão.
Quando Tito diz que não,
Malaquias fala : - É pro santo.
Eis que o moleque já tonto,
pensa: Não entendo nada.
Pois o diabo e o santo
moram juntos
debaixo do chão da casa.
Gota d'água
Gota d’água / João Felinto Neto – Mossoró, 2009.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-20-2
Literatura brasileira – Poesia
SIMPLESMENTE FAÇO
Porque devemos viver reclusos
Na solidão de nossas almas
E no silêncio de nossos pensamentos,
Se temos a comoção de nossas lágrimas
E os mais sublimes sentimentos;
Se emergimos além da mentira
E respiramos a verdade,
Onde há dor, onde há ferida,
Por ser a realidade?
Por que a quietude e não o grito?
Por que o mito
E não o fato?
E por que não,
Eu simplesmente faço?
Estranhas narrativas
Estranhas narrativas /
João Felinto Neto - Mossoró, 2007.
77 p. (1ª Edição )
ISBN: 978-85-905035-9-0
Literatura brasileira – Prosa
JUDAS NO PODER
Há muito tempo atrás, havia entre o povo judeu, um homem chamado Judas Iscariotes, que entregou com um beijo na face o seu messias, traindo-o.
Nos tempos atuais, temos o nosso próprio Judas, que não trai a um único homem, mas a milhares deles, que dão através de seus votos o destino de suas vidas; e não usa do mesmo artifício de beijar o rosto, mas brutalmente com um tapa na cara; entrega todo o patrimônio de seu povo à corrupção.
Enquanto Iscariotes era um dos doze apóstolos, o nosso Judas é cada político que ludibria através da hipocrisia, e usa de artifícios demagógicos para conquistar o poder.
Pelo caráter de sua posição, poderia ser comparado ao outro que se dedicava com seus onze companheiros e seu mestre à salvação de seu povo. Pelo contrário, junta-se aos seus companheiros, que são bem mais que onze, faz-se de salvador e subjuga seu povo à condenação de perder a liberdade e viver a mercê de sua ganância.
Uma coisa não se pode negar, o nosso Judas tem cacife, enquanto o Iscariotes traiu por trinta moedas de prata, o nosso trai por milhões de dólares em contas suíças. Os dois têm algo em comum, são traidores, porém o Judas dos cristãos traiu para salvar a própria pele; enquanto o nosso trai para salvar o próprio bolso.
O Judas cristão, todavia, teve consciência, dignidade e coragem para colocar uma corda no pescoço e suicidar-se. Consciência é coisa que o nosso, infelizmente, não tem, nem dignidade e muito menos coragem. Contudo, politicamente tem uma corda no pescoço, o nosso voto. Resta-nos agora, enforcá-los.
Espinhos do deserto
Espinhos do deserto
João Felinto Neto. – Mossoró, 2008.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-17-2
Literatura brasileira - Poesia
DAS RESPOSTAS
Quando o homem necessita
Busca respostas para a fome,
Para as doenças que o consome
Todos os dias.
Quando tem em abundância,
O supera a ganância
E o homem a si, basta.
Quando em desgraça,
Enlouquece.
De sua existência esquece
E vive de melancolia.
Quando está em harmonia,
O homem se questiona,
Busca respostas para a vida
Que tanto o emociona.
Em nome do pai e do filho
Em nome do pai e do filho
João Felinto Neto. – Mossoró, 2007.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-13-4
Literatura brasileira – Poesia
CONTINUIDADE
A distância
É apenas a espera.
A espera,
Paciência.
Abra os braços,
Continue em terra.
A lembrança,
Barco a vela
Que navega em silêncio.
Não há nada de novo no tempo.
Amanhã, não importa a idade.
Somos continuidade.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
De versos, diversos versos
De versos, Diversos versos
João Felinto Neto. – Mossoró, 2007.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-05-9
Literatura brasileira – Poesia
POSTAL
O que é real
Perante os olhos intuídos;
A flor, o riso,
Uma forma casual?
Sou imortal
Perante os olhos redimidos,
Ou sou motivo
De um fenômeno temporal?
A pedra, o sal
Seriam sólidos diluídos?
Os meus sentidos,
Divisão de bem e mal?
Talvez, normal
Seja estereótipo fictício.
Feio e bonito,
Os dois lados de um postal.
Crônicas dispersas
Crônicas dispersas / João Felinto Neto -
Mossoró, 2007.
72 p. (1ª Edição )
ISBN: 978-85-905035-8-3
Literatura brasileira – Prosa
RUMO AO ESPAÇO
A Agência Espacial Quimera anuncia que seu foguete foi para o espaço às 14:00 horas do dia 07 de setembro de 2004.
A conquista do espaço pelo foguete Utopia, é a prova de nossa capacidade tecnológica. O Funil não é mais um país no qual há entrada de muitos planos e apenas gotejam resultados concretos. Esse foi o primeiro passo para um futuro promissor. Comemoramos nossa independência com um triunfo.
Os jovens funileiros terão orgulho de sua pátria, que entra para o restrito grupo das pioneiras, apesar do desemprego, da fome, da miséria, da corrupção e da violência. Mas, são apenas detalhes diante da tamanha grandeza que é a conquista do espaço.
Retificação da manchete Rumo ao espaço.
Onde está escrito: que seu foguete foi para o espaço, leia-se, que seu projeto de foguete foi para o espaço; o foguete explodiu no chão. Quanto à data e a hora, estão corretas. Porém, a conquista do espaço foi para o espaço.
Bravo povo funileiro, o autor da manchete pede desculpas pelo erro da notícia e a Agência Espacial Quimera, pelo fracasso da missão.
Composições sem cifras
Composições sem cifras / João Felinto Neto – Mossoró, 2008.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-18-9
Literatura brasileira - Poesia
CINTO NO PESCOÇO
Tenho um chapéu
Que me põe à sombra;
Uma camisa longa,
Que me faz suar;
Tenho uma calça
Que de bar em bar,
Cobre minhas meias
Que se escondem, feias,
Dentro de um par
De velhos sapatos
Que tão apertados
Seguem meu pesar.
Tenho que citar
Meu esnobe e fino,
O elegante cinto
Que usei faminto,
Para me enforcar.
Cálice
Cálice / João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
124 p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-08-0
Literatura brasileira – Poesia
SEM CONDIÇÃO
Seus ombros à amostra,
me deixam insinuado.
Seu corpo ainda agora,
me deixa provocado.
Seus seios contornados
pela blusa,
me fazem sinal da curva
do seu corpo ondulado.
Seu jeito comportado
não me mantém à distância.
Na sua tolerância,
encontro o meu pecado.
Seus olhos não perturbam minha paz,
além do mais,
recebem meu recado.
Seu pare, deixa disso, mais cuidado,
só fazem aumentar o meu querer.
A dúvida faz crescer
minha ilusão,
que eu terei nas mãos
a chance de fazê-la entender.
Amar é mais que ter.
É aceitar querer
sem condição.
Cabaz: Com frutos do meu delírio
Cabaz: com frutos do meu delírio
João Felinto Neto – Mossoró, 2006.
120p. ( 1ª edição )
ISBN: 85-905035-6-9
Literatura brasileira – Poesia
SOBRENOMES
Não somos tão importantes
com as nossas caras
inconstantes,
nossas falas
intercaladas
pelo silêncio.
Somos sobrenomes
que talvez não digam nada,
pois nossa alma
não atende pelo nome.
Somos doce mundo,
triste fundo,
espelho d'água,
somos quase tudo,
quase somos nada.
Bolodório - Uma farra na poesia
Bolodório - uma farra na poesia
João Felinto Neto – Mossoró, 2009.
120p. ( 1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-2
Literatura brasileira – Poesia
UM POUCO MAIS
Percebo
A minha vida esvaindo-se entre meus dedos
Em minha mão aberta
A dar adeus ao mundo
Pela janela.
A minha juventude
Em quietude eterna,
Silencia os meus dias.
As velhas alegrias
São lembranças tristes.
Os sonhos não resistem
Aos carinhos da morte.
E que meu sono suporte
Os meus pesadelos,
Já que meus apelos
Ao que me resta de força
Não me sustenta.
Talvez, o mundo não entenda
Esses meus ais.
Não tenho medo de morrer.
Eu só queria era viver
Um pouco mais.
Árvore morta
Alguns degraus
Alguns degraus / João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
120p. (1ª Edição)
ISBN: 978-85-60656-09-7
Literatura brasileira – Poesia
VEJO A VIDA
Abro a rede
e mergulho no mar de notícias.
Vejo a fome e a sede,
violência e carícias.
Vejo a vida.
Vejo alguém que anuncia
com a boca jocosa.
Não há graça nenhuma,
propaganda enganosa.
Vejo a vida.
Vejo uma cobra macia
que desliza na areia.
Vejo um teto cair
sobre algumas cabeças.
Vejo a vida.
Vejo a flor que encanta
com a sua beleza.
Vejo a pedra que agride
com a sua dureza.
Vejo a vida.
Vejo a virgem que espanta
com a sua pureza.
Vejo a dama da noite
com a sua frieza.
Vejo a vida.
Vejo uma mão estendida,
um perdão ser negado.
Vejo uma árvore caída
e na mão um machado.
Vejo a vida.
Com os olhos fechados
vejo o céu e o inferno.
Entre o breve e o eterno,
vejo a vida.
domingo, 25 de julho de 2010
A caveira & a rosa
A caveira & a rosa / João Felinto Neto – Mossoró, 2007.
75 p. (1ª Edição)
ISBN: 978- 85-60656-04-2
Literatura brasileira – Poesia
XIV
Vê-se o espectro cadavérico
Iluminado pela lua,
Cavalgando pela rua
Em sua besta.
Tal qual tochas acesas,
São seus olhos.
Vêem-se vermes em seus ossos.
A mais horrenda caveira.
Pela cavidade óssea
Do que fora um focinho,
Vê-se o hálito da besta
Que ofega
Tal qual um redemoinho
Que ao telhado carrega.
Uma fera
Desprovida de carinho.
sábado, 24 de julho de 2010
Poesias selecionadas
APELO À MISÉRIA
Quem me dera, miséria,
eu fosse parte
de um baluarte de sonho e de quimera.
Pela boca mantém-se assim o povo,
a lavagem é a comida que a si, dera.
Na vergonha de reconhecer-se porco,
ter o rosto metido na sujeira,
enlameado atrás de uma porteira
seu anseio é mantido na espera.
Quem me dera, miséria,
eu me calasse
e ocultasse o meu rosto na janela.
Meus princípios mantêm-me assim exposto.
Sou mau gosto travado na goela.
Quem engole as palavras que eu digo
traz de volta a vontade de lutar,
elas tocam a ferida no umbigo
que o conformismo já ia cicatrizar.
Quem me dera, miséria,
quem me dera,
que de ti eu pudesse me livrar.
PERSONAGENS INFANTIS
Será que o lobo é tão mal.
O lobo ama também.
Ele protege os filhotes que tem.
Caçar, para ele é natural.
A chapeuzinho, talvez,
quando crescer seja outra.
Se torne uma megera
que não gosta de criança
e perca toda a esperança
de voltar ao que era.
O caçador, o herói tão valente
que salvou a vovozinha,
costuma matar friamente a fêmea,
deixando a cria sozinha.
Ele acabou sendo preso
por caçar ilegalmente.
A vovozinha morreu.
Pois, a idade a levou.
Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente.
Isso prova que a bondade e a maldade,
na verdade,
são apenas uma história diferente.
O POEMA QUE EU DEIXEI DE ESCREVER
O poema que eu deixei de escrever,
Falaria de você,
De nosso tempo,
De angústia, de tormento,
De alegria e de prazer.
Iria contradizer
Cada palavra
Que as nossas falas
Tinham pouco a dizer.
O poema que eu deixei de escrever,
Seria na verdade,
Uma ameaça.
Calaria minha boca,
Qual mordaça.
Não seria uma desgraça,
Por não ser.
Os meus versos,
Talvez fossem sem querer,
Uma ofensa
A sua crença,
Que eu acreditava
Ter.
O poema que eu deixei de escrever,
Não seria
De valia.
Sem valia,
O deixei de escrever.
SEPULTAMENTO
Os meus olhos pregados
no infinito
como os pregos nas tábuas
cravejados,
e de pontas viradas,
redobrados,
sustentados e fixos
numa curva.
No aconchego da madeira macia,
minhas costas
nos ossos da bacia
consolam meu corpo
tão curvado.
Pelo tempo que tenho acumulado,
a ferrugem do mundo
me comeu,
e a tampa que pregam
me prendeu
para sempre num rito consumado.
Por debaixo da terra
condenado
a ser parte da mesma
e não ser eu.
CANTO DE SEREIA
Como um canto de sereia
de belíssima harmonia,
letra correta, verdadeira poesia
e melodia
que eterniza nossa alma.
Por onde anda
a sereia encantada
nas profundezas desse mar de ignorância?
Letra incorreta com falta de concordância
e melodia
que nos faz perder a calma.
Só na lembrança,
o teu canto nos enleva
na emoção que tua voz nos faz sentir
e na saudade, o nosso coração desperta
pra realidade,
não há nada mais pra ouvir.
PEDESTAL DE BARRO
Revogo silêncio
ante palavra e voz.
Reato os nós
que me prendem ao medo.
Reavivo memórias
em busca de segredos
que já não interessam mais.
Reclamo por paz
em meio a intensa guerra.
Replanto a erva
que não nasce mais.
Relato as dores
de males e fome.
Repito o meu nome,
antes de dormir.
Reato os laços
que me prendem aqui,
ao pedestal de barro.
TORRE DE BABEL
O juiz do supremo,
Jeová,
se irrita e sai do sério,
quando seu filho Jesus
vai à noite, ao cemitério.
No boteco do Davi,
onde quem manda
é o Golias,
não há funda,
quem afunda
na cachaça, é o Isaías.
No salão do senhor Sansão,
quem faz o cabelo
é sua mulher Dalila.
As mulheres de Salomão,
o cafetão lá da vila,
choram e sentem solidão
quando estão de barriga.
Lúcifer anda arrasado,
o seu mundo virou trevas,
por ter visto abraçados,
Adão e a senhora Eva.
Noé, o velho barqueiro,
não gosta de animais.
No entanto, adora um peixe-frito
no barzinho lá do cais.
Essa torre de Babel
é o mundo em que vivemos,
onde não há inocência.
Se algum nome ou fato ofender,
é mera coincidência.
A MULHER DA MINHA VIDA
A mulher da minha vida,
Sempre é lida em meus versos,
De uma forma ou de outra.
É a sua voz que ecoa
Reclamando meu regresso.
É bem mais que uma amante,
Que uma amiga e companheira.
Necessária como a fonte
No deserto de areia.
A mulher da minha vida,
Entre linhas abstratas,
Põe em mim, doces palavras
E expressão de alegria.
A resumo em poesia,
Tal qual em cartas,
A saudade que nos mata
Se envia.
A mulher da minha vida
É a graça
Que um devoto em desgraça,
Alcançaria.
O LABIRINTO
Pelas ruas infinitas,
Não encontro meu destino.
Endereço repentino;
Então, me pára.
Não é nada;
Sigo em frente, o meu caminho.
A mim mesmo, ainda minto:
- Logo chegarei em casa.
Em calçadas,
Eu percorro o labirinto
(Cruzamentos, sinais verdes e paradas).
O suor não pára o tempo;
Lágrimas, enxuga o vento;
E um triste pensamento
Não se afasta.
A cidade, assim, se fecha em semelhança.
A lembrança,
À realidade, não se adapta.
Eu confundo o momento
E me perco no silêncio
De um triste monumento
Que me agrada.
Minha calma é necessária
Para espantar o medo,
Desvendar todo o segredo
Que o labirinto encerra.
Os meus pés seguem por terra,
Minha alma por promessa,
O meu corpo por saudade.
Edifícios, tais quais pedras,
Alicerçam a cidade;
Conduzindo minha mocidade
Eterna,
De encontro ao passado.
Eu me torno um condenado
Num presente adulterado,
Que me enterra.
Observo as vidraças
Das janelas,
Onde o sol ofusca a vista
Com a luz que é minha guia
Na escuridão tardia
Do passado.
Cada praça
Me congraça,
Tal um templo
Erigido como um marco à memória.
Cada uma conta a história
De seu tempo,
De sorriso e sofrimento,
De conquistas e derrotas.
Novamente, me encontro sem saída,
Apesar de tanta via planejada.
Já não reconheço nada
Do que havia,
Já não reconheço nada.
Alimento meu silêncio,
O tempo passa,
Onde pombos batem asas
Sem voar.
Não consigo encontrar
O meu caminho;
O meu ninho
Não encontro em meu lugar.
Continuo a me enganar,
Ainda minto,
Preso a esse labirinto
A me fechar.
À DERIVA
Posso até perder o brilho dos meus olhos,
Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza.
No esbanjar de pratos sobre minha mesa,
Vejo a fome refletida nos teus olhos.
O que faço se estou preso ao sistema
Onde a indiferença
Sobrepõe a caridade,
Onde a verdade
É varrida
Pra debaixo da mentira
E onde a vida
É um barco à deriva
Sem ações de piedade?
UM POUCO MAIS
Percebo
A minha vida esvaindo-se entre meus dedos
Em minha mão aberta
A dar adeus ao mundo
Pela janela.
A minha juventude
Em quietude eterna,
Silencia os meus dias.
As velhas alegrias
São lembranças tristes.
Os sonhos não resistem
Aos carinhos da morte.
E que meu sono suporte
Os meus pesadelos,
Já que meus apelos
Ao que me resta de força
Não me sustenta.
Talvez, o mundo não entenda
Esses meus ais.
Não tenho medo de morrer.
Eu só queria era viver
Um pouco mais.
O GRANDE DIA
Ai de nós se não fosse o profeta
Para converter o nosso coração.
Do contrário, Deus feriria a terra
Com terrível maldição.
Com o Senhor não há perdão.
Seu grande e terrível dia
Não será de alegria
E sim de destruição.
O poder de sua mão
É extremamente acintoso.
Deus é um ser ambicioso,
Quer de todos,
Atenção.
Não importa a condição,
Será imposto
Sofrimento e desgosto
Por qualquer contravenção.
Deus não quer nos dá lição,
Quer aniquilar a todos
Pelo caráter odioso
Que passou à criação.
EPITÁFIO XIV
Ela se aproxima
Sorrateira e linda,
Com seu manto escuro,
Sua mão suada.
Não nos pede nada,
Mas nos toma tudo.
Deixa então, de luto,
A pessoa amada.
Ela não se importa
Com aquele que fica.
Pois só se dedica
Ao que se despede.
Sorrateira, impede
Que a gente viva.
E sutil se infiltra
Sob nossa pele.
Ela só se afasta
Quando mata a alma
E deixa o corpo inerte.
ETERNA SOLIDÃO
O que eu tive na vida
Além da data esquecida,
Da dor no peito, contida,
E da perdida ilusão?
O que mantenho na mão,
Já na forma cadavérica,
Senão,
A luta sem trégua
Com os germes que a terra
Colocou em meu caixão?
Os meus feitos,
Foram em vão.
Meus defeitos,
Exaltados.
Não sou de Deus nem do Diabo.
Sou um louco condenado
A eterna solidão.
ESPANTALHO MORIBUNDO
Minha alma sempre está
Num silêncio tão profundo,
Que eu chego a duvidar
Que ainda estou no mundo.
Espantalho moribundo,
Onde a morte vem pousar.
Talvez para lhe falar:
Sinto muito! Sinto muito!
Num milésimo de segundo,
Volta o corpo a respirar.
Espantalho vagabundo,
Fecha os braços para o mar,
Abre os olhos para o mundo.
FRUTO SEM CASCA
Espalhando letras
Sobre velhas páginas,
Semeei palavras
Que insatisfeitas
Deram-me em colheita
Uma grande safra
De um fruto sem casca,
A minha tristeza.
Uma fruta fresca,
Presa pela boca
Em que uma ou outra
Tenta mordiscar,
Murcha sem parar;
Se tornando feia,
Seca na areia
Quando o vento dá.
Versos pelo ar,
Lágrimas e poeira,
Solidão na mesa
Onde o fruto está
Exposto, sem par,
Sem mostrar beleza,
É minha tristeza
A me alimentar.
HOMENS DE FUMAÇA
No arrastar de minhas sandálias
Pela casa,
Tenho as lembranças arranhadas
E esquecidas.
Por onde andam as conversas conduzidas
Pelos homens de fumaça?
Se desfizeram com o tempo,
Nas costas de um tênue vento,
Pela janela escancarada.
O velho barco na distância, ainda aguarda
Pela tripulação dispersa,
Numa espera
Que parece eternizada.
Em meio a tralhas,
Depuseram suas velas.
Em meio a elas,
O seu capitão se apaga.
O FRACASSO
Eu sei que a vida me leva em trapos.
Caldeirões de barro
De bruxos modernos.
Favelas de inferno,
Diversos buracos.
São armas de ferro.
São balas de aço.
Sou eu, o fracasso
De um programa sem sucesso.
Eu sei que a morte me olha de perto;
Que chego a sentir o seu frio abraço.
Eu fumo, eu prego
Minha mão no maço
De notas sem eco.
São barras de ferro.
Algemas de aço.
Eu sei que sou o fracasso
De um programa sem sucesso.
Eu sei que caminham lado a lado,
O errado e o certo,
A ira de Deus
E a fama do diabo,
Senhores e servos,
Patrões e empregados,
Progresso e atraso.
São os mãos-de-ferro
Em torres de aço.
Sendo eu, o fracasso
De um programa sem sucesso.
OLHOS DE AZULÃO
O que busca essa mulher
Pela qual minto,
Senão
A mesma solidão
Que sinto
Quando longe de seus olhos de azulão?
Os mesmos olhos
Que me olham da gaiola
Quando eu abro a porta
E eles vêem a imensidão.
SE FOSSEM SÃOS
A rima
É mera aflição
Dos versos que me espelham
Naquilo que são.
De forma nenhuma dirão
Do que são feitos.
Meus versos
Seriam perfeitos
Se fossem sãos.
Mas nada são,
Senão
Defeitos.
QUANDO CHORO
Onde andam os meus olhos
Quando choro,
Se não consigo encontrar
As minhas lágrimas?
Nas migalhas,
Além de meus remorsos?
Nos meus ossos,
Aquém de minha alma?
A FANTASIA
Amo você
Com o mesmo ardor da juventude,
Na quietude
De minha atual idade.
Amo-a na ausência
Como num dia de saudade,
Detenho-me a cada ínfima lembrança,
Com a mesma paz
Que traz
Aquela esperança
Após uma guerra.
Amo-a em terra
Com a cabeça pelas nuvens.
Amo atitudes
Que jamais seriam minhas,
Como entre linhas,
Leio uma poesia.
Amo como se ama o alvorecer
De cada dia,
Como o sorriso
Na inocente alegria
De um bebê.
E ter você,
Ainda parece utopia.
Mas, quis a vida
Que eu vivesse a fantasia
De meu ser,
Que é para sempre,
Você.
MINHA GERAÇÃO
Essa amargura
Que me faz um homem rude,
É mera atitude
De defesa.
Odeio a pobreza
Que aos pés de Deus se ilude;
Enquanto a juventude,
Nada almeja.
Desprezo a mania de grandeza
Que o rico tem com tudo.
Não sou um carrancudo
Por frieza;
Somente faço uso
Da tristeza
De um sisudo,
Por ser fruto
De uma geração que aceita.
SONETO DA VITRINE
(Sombras & espelhos)
A vidraça estilhaçada,
Não desfaz a minha imagem,
Não subtrai da cidade,
A luz do sol ofuscada.
De pé, fiquei na calçada
Com minha mão estendida.
Exorcizei minha vida
Na pedra que arremessara.
Por um instante, escutara
O som de ossos quebrados
Da montra fragmentada.
Meu corpo feito estilhaços
Que os passantes pisavam
Entre espanto e gargalhadas.
POETAS
(Sombras & espelhos)
São tantos os poetas
Quanto estrelas,
Dispersos em bandeiras
Pelo mundo.
Eternos e profundos
Pelas letras,
Em digressões soberbas,
Em dimensões sem fundo.
São tantos os poetas
Que o planeta,
Em tinta de caneta,
É resumo.
Enorme rascunho
Em línguas estrangeiras.
A tradução perfeita
Das emoções do mundo.
MOSAICO
(Sombras & espelhos)
Em minha mão,
Mil pedaços.
Antigo quadro,
Uma mesa,
Alguém que come calado
Com discrição ou tristeza.
E lado a lado
Na mais extrema destreza,
Enfileirado
Sob a antiga nobreza,
Assenta-se o mosaico.
Sob os meus pés, o passado
Em um quadrado,
Pintado
Nesse retalho do tempo.
Breve momento
Guardado
No mais antigo mosaico
Preso à calçada,
Ao tempo.
SÓ EM TE AMAR
(Sombras & espelhos)
Só em teus lábios,
Eu encontro meus gemidos.
Só em meus gritos,
Eu consigo te encontrar.
Como enganar
A emoção de estar aflito.
Eu te preciso
Como a noite, do luar.
Só em teus passos,
Eu caminho decidido.
Surpreendido,
Tento não justificar.
Sem teus abraços,
Os meus beijos são sofridos
Como os feridos
Que não podem se curar.
Só em te amar
É que eu encontro o sentido
De tudo aquilo
Que consigo imaginar.
NUMERAL UM
(Sombras & espelhos)
Eu atribuo
Minhas palavras ao poeta.
Uma espera
Numa tarde em jejum.
Nós como dois,
Dividimos.
No que dera?
Apenas um.
Eu me situo
Nas medidas de uma régua.
A mais complexa
Ou talvez a mais comum.
Sou menos um,
Minha conta se completa
Com menos um.
Eu me anulo
Numa soma que me zera.
Um dois que nega
A existência de mais um.
Sou incomum,
Tabuada que ainda preza,
Numeral um.
CONTRACEPTIVO
(Tríptico)
Eu não sei se é o desespero
que me leva à loucura
quando o sexo estupra
a minha alma,
ou a calma
que advém do meu tormento
pelo tempo
que passou em minha palma.
Movimento anormal
de penetração moral
em sua saia,
e no cheiro da indecência,
feromônio da ciência
em uma jaula.
Uma fera excitante
que no último instante, ofegante,
cospe a vida
no seu couro de borracha.
Não há luta, nem corrida;
há uma triste despedida
de um suposto vencedor
que foi fruto de um amor
e se enforcou
com a própria cauda.
SONHOS
(Tríptico)
Os meus sonhos
são apenas fragmentos de memória,
pequenos focos de luz
como cristais dispersados
num caleidoscópio de pensamentos,
distorções esdrúxulas da realidade.
Rumores, amores e momentos,
abertos numa gaveta destrancada.
Minhas pálpebras fechadas
num caixão de quase nada.
Um quase definido como os sonhos
que são versos que componho
numa noite agitada.
Movimento involuntário dos meus olhos,
que entre risos, ainda choro
por apenas acreditar sofrer.
Entre cartas mal escritas e seladas,
vem a calma ao chegar o amanhecer.
Vem enfim, o esquecimento
desse quase fingimento
que é sonhar.
EM DEMASIA
(Tríptico)
Eu sou demasiado triste,
pelos versos que componho.
Eu sou demasiado louco,
pelo pouco
que proponho.
Não deveria o mundo ser assim,
em demasia.
Talvez não seja o mundo,
seja enfim,
minha poesia
Demasiada em meu tédio,
sem remédio,
em grafia;
em longas noites mal dormidas;
nos insultos
que eu ouvia.
Não caberia em minha mão,
toda a visão
que em mim cabia.
Eu sou demasiado em tudo,
que ironia,
demasiado em meu luto
por ser fruto
de utopia.
Em demasia são os dias
que me escapam entre os dedos
como uma teia
que é lânguida e esguia.
O mais sublime pensamento
que perde tempo
em demasia.
Demasiado, meu tormento,
pelo tanto
que eu não via.
Demasiadamente eterno,
meu inferno em agonia.
Em demasia sou
quem sou,
um astronauta que acordou
num mundo estranho
em demasia.
DISLATE
(tríptico)
Talvez minhas palavras sejam tolas,
minhas ações, inconseqüentes;
as minhas brincadeiras, ironia;
eu próprio seja falho e negligente.
O meu discurso seja sátira;
minha seriedade, uma piada.
O meu humor seja mau gosto;
o meu dislate, permanente.
Meu riso entre dentes, atimia;
a minha faina seja ociosa;
meu pranto, uma lição jocosa
e o jeito infantil, idiotia.
Talvez a minha vida seja um fracasso;
meus versos, um engodo imoral.
Em epítome, sou um gracejo nefasto.
Meu desejo, um esboço abnormal.
TURGESCÊNCIA
(Sob meus calcanhares)
Eu sinto os teus cabelos
entre meus dedos,
teus lábios comprimidos
ao meu desejo,
o arfar de teu cansaço
entre meus braços
e ouço teus gemidos.
Vejo teus olhos tolhidos
fitar meu medo
de não tê-la satisfeito ainda.
Tenho todos os sentidos
na extensão do meu leito.
E no auge da turgescência,
me torno uma larva imersa
em teus fluidos.
O RAMO
(Sob meus calcanhares)
Onde está minha alma,
que não encontro?
Onde está meu encanto,
minha calma?
São perguntas que faço,
ainda em pranto,
ao meu eu freudiano
que me cala.
Onde está este anjo
que me fala?
Um quebranto
que minha mãe me pôs.
Ouço a antiga canção
que ela compôs
em minha rede embalada.
Vejo um ramo na árvore desfolhada,
resistir ao vento,
envergado.
Nesse instante me sinto
envergonhado
pelo meu triste pranto.
Minhas lágrimas
são simplesmente água
que faz falta ao ramo.
O DIÁLOGO
(Reticências desfeitas)
- Dou-te a palavra
para principiares o diálogo.
- Fico muito grata
por ceder-me o favor.
És muito amável.
Vou falar de amor,
sentimento imensurável
que é tão natural
quanto o desabrochar da flor.
- Já vou interpor.
O que tu estás dizendo?
O amor é um invento
cultural e sem valor.
- Estou espantada.
És um homem insensível.
O amor é indizível.
É nosso maior legado.
- É soma sem resultado.
O amor não é normal.
É estóico, irracional,
nos mantêm aprisionados.
- És um homem insuportável.
Mas o que dizes é refutável.
De que vale a liberdade,
sem motivo para a saudade.
- És uma eterna sonhadora.
De que vale um sentimento
que só nos provoca medo,
fraqueza e sofrimento.
- O amor é imortal.
A mais pura poesia.
Nos fere, é natural.
Mas compensa com alegria.
- É uma simples utopia.
Inconstante, passageiro.
Quem se entrega por inteiro,
viverá em agonia.
- Vou deixar por encerrado
o nosso breve diálogo
em tua cética pessoa.
Mas eu sei
não é à toa
que nós dois somos casados.
ELA
(Quadrilátero)
Ela me leva,
me engana
e ainda me desafia.
Levou meu corpo
para a cama,
enquanto me distraía.
Deu-me o fruto do pecado,
enquanto Eva,
e compensou com redenção,
quando Maria.
Em Joana D'arc
foi Vitória,
também rainha.
Já foi de todos
e só minha.
Ela é pouco e é demais.
Como Helena,
ela foi guerra.
Como Tereza,
ela foi paz.
INDECENTE
(Quadrilátero)
Não sou um cavaleiro imaginário,
apenas um vassalo
que caminha.
Pela realidade,
um escravo
que tem a ilusão
que é livre ainda.
Não sou nenhum beato,
nem um cão.
Eu não uso sermão
e nem batina.
Meu rosto
é palidez,
enquanto expiro.
Meu sexo
sem estilo,
estupidez.
MUNDO FICTÍCIO
(Pax-vóbis)
Uma criança brincava
Com a comida, na mesa.
Corria de pés descalços,
Sem ninguém a seu encalço,
Pela ruazinha estreita.
Não enxergava a sujeira,
No seu mundo fictício,
Do real desconhecido;
Tudo era brincadeira.
Contudo, era tão bonito
Ver o mundo d’aquela maneira:
Sem ter ódio,
Ser ter vício,
Sem sombra de sacrifício,
Sem pecado
E sem tristeza.
SOMBRA DE NANQUIM
(Pax-vóbis)
Que a vida,
Mesmo frágil, continue.
Que perdure
Meu amor, além de mim.
Que não tenham fim,
Meus passos pela rua.
Que dissipe sob a lua,
Minha sombra de nanquim.
A PEQUENA D’ARC
(Olhos de guri)
A guria
não gostava de pia,
de casinha ou fogão.
Para ela,
tudo era opressão.
Ela ouvira
sua mãe reclamar
que a mulher tende a trabalhar
só com água e sabão.
Por que não
brincaria de guerra,
de doutora,
de terra na mão?
A guria,
parecia antever
que seu mundo seria
uma doce ilusão.
A SOMBRA
(Olhos de guri)
Minha sombra
que se perde no escuro,
salta o muro
quando o sol
no céu desponta.
Se arrasta no chão duro,
se encolhe,
se estica,
passa rente a dobradiça
e se perde pela casa.
Mas à noite,
minha sombra cria asa,
voa quando saio a rua.
Pela luz que vem da lua,
minha sombra me abraça.
Me divirto e acho graça
quando atravessa a fogueira.
Minha sombra, não sou eu,
mas é minha companheira.
TAMBÉM SOU
(Letras, ...)
O louco
é apenas mal ouvido.
Seu riso,
tenebrosa gargalhada.
Sua fé,
um constante, eu duvido.
Sua mente,
uma porta escancarada.
Seu pedido de ajuda
é um grito.
Seu gemido incontido,
uma dor.
Seu amor,
um abraço emotivo.
Sem motivo,
eis que louco
também sou.
A GRAÇA
(Letras, ...)
Deus me deu o fardo
para eu achar pesado
o termo ser livre.
Deus me deu o espelho
para ver se aceito
esse meu rosto triste.
Deus me deu o segredo
para pensar, eu mesmo,
o que é ser tolice.
Deus me deu a culpa
para eu pedir desculpa
por qualquer deslize.
Deus me deu a dor
para eu sentir pavor
do seu dedo em riste.
Deus não me deu nada,
eu que faço a graça
crendo que ele existe.
VERSÃO REFRATADA
(Letras, ...)
Quantas vezes eu tive
que mergulhar no sorriso
para fugir do abismo
que é o existencialismo
de mim mesmo.
Quantos pueris desejos
entre prosaicas conversas.
Quando nada interessa,
meu mundo me dá medo.
Eu sou apenas ensejo
que o acaso consagra.
Uma versão refratada
na ilusão do que vejo.
Quando não me percebo,
é sinal de que eu mesmo
sou a soma do nada.
QUEM SOU EU
(De versos, ...)
Sou um jovem ateu
Que entra na igreja
Para tomar cerveja
E beber café.
Desconheço a fé,
Mesmo na ressaca.
Rio quando a graça
É de um milagre
De ser eu, um padre
Que toma conhaque
Num cálice de vinho
E vive sozinho
Pensando que sonha
Em ser um demônio
Que se sente Deus,
Ser o próprio Deus
Se sentindo humano,
Ser um santo insano
A brincar de ateu.
DESESPERANÇA
(De versos, ...)
Quem é essa
Que me tira o sono,
Que arrebata o dono
De uma humilde casa?
Quem é essa
Louca, desvairada,
Que ao seio me prende
Sem saber se sente
A dor que a outro causa?
Lábios que procuram vida
Carne apodrecida
No envelhecimento.
Quem é essa
Que corrói por dentro
Como um veneno
Sem nenhum antídoto?
Eu sou outro,
Sou um homem dito,
Dito morto
Pela agonia.
Quem é essa
Musa e tirania,
Mistura que havia
Desde minha infância?
Quem é essa
Triste companhia?
Talvez seja a morte,
A desesperança.
O MATUTO
(Cálice)
O matuto está triste,
cabisbaixo e pensativo.
Não encontra um só motivo
para saber se existe.
Tal canário sem alpiste,
preso a uma velha gaiola,
vendo longe a aurora,
sem ter ânimo pra cantar.
Com vontade de voar
para longe, ao horizonte;
a saudade o consome
antes mesmo de partir.
O matuto fica ali,
a pensar no que seria
sem a única companhia,
a choupana em que vive.
Tal amor só visto em versos,
o matuto é regresso
de um lugar que não existe.
SEM CONDIÇÃO
(Cálice)
Seus ombros à amostra,
me deixam insinuado.
Seu corpo ainda agora,
me deixa provocado.
Seus seios contornados
pela blusa,
me fazem sinal da curva
do seu corpo ondulado.
Seu jeito comportado
não me mantém à distância.
Na sua tolerância,
encontro o meu pecado.
Seus olhos não perturbam minha paz,
além do mais,
recebem meu recado.
Seu pare, deixa disso, mais cuidado,
só fazem aumentar o meu querer.
A dúvida faz crescer
minha ilusão,
que eu terei nas mãos
a chance de fazê-la entender.
Amar é mais que ter.
É aceitar querer
sem condição.
CONVÉS
(Cálice)
Foste meu caminho sem regresso
em um verso.
Minha poesia mais bonita.
Entre as estrelas,
rabisquei um só desenho,
o seu rosto,
como eu bem queria.
Foste a derradeira flor
perdida no deserto.
Em meu universo,
um farol de guia.
Arrancaste o aviso que dizia:
“Uma saudade”.
O vazio da idade,
preenchias.
Foste o colorido
de uma tela que eu pintava.
A mão que segurava o meu filho.
O espírito de um cético
que chorava.
A paz esperada
por um homem aturdido.
Foste o barco rijo
que sustenta a onda em fúria.
O pescador que nada
à procura de si mesmo.
Para mim,
a mais incrível criatura.
A doce loucura
do desejo.
Foste na verdade,
o meu mundo.
Hoje, na saudade,
apenas és
um velho convés
com o qual afundo.
GRAMATICAL
(Cabaz)
Só em letras imprimo minha alma.
Mais do que texto
sou contexto indecifrável.
Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.
Um sujeito indefinido
que é objeto de um erro
gramatical.
Entre modos e tempos,
triste verbo
que ecoa na forma nominal.
Orações que são subordinadas
aos meus vícios de linguagem.
Um início em letras ordenadas
e um fim
numa expressão oral.
AFLORA UM POETA
(Cabaz)
Assim se fez um poeta.
Como talhe na madeira
esculpi minha poesia.
De uma maneira fria
infundi minha alma no papel.
Nas costas de um corcel
cavalguei por entre versos;
muitas vezes sem regresso,
o poema, me tornei.
De um sono despertei
enquanto escrevia,
da caneta então fluía
as idéias que sonhei.
Quem sabe se eu errei?
Foram mais de trinta anos,
foram tantos desenganos
que poeta, me tornei.
INGÊNITO
(Cabaz)
Seguir os passos
a um lugar perdido na distância;
entrar na dança
de um ritual de acasalamento;
sentir nas mãos
o instintivo dom
que vem de dentro;
ouvir o som
de vozes ecoadas;
e nas entonações
das poesias declamadas,
revelar-se poeta.
LIAME
(Cabaz)
Sou livro
intitulado.
Um desabafo.
Sou todo
em parte.
Um lacre violado.
Sou tudo
num nada
dissipado.
És flor
dissecada
na mão aberta
em palma.
És colo e calma
na casa onde cresci;
moeda encontrada
que perdi;
o berço
em que nasceu
minh'alma.
Quem me dera, miséria,
eu fosse parte
de um baluarte de sonho e de quimera.
Pela boca mantém-se assim o povo,
a lavagem é a comida que a si, dera.
Na vergonha de reconhecer-se porco,
ter o rosto metido na sujeira,
enlameado atrás de uma porteira
seu anseio é mantido na espera.
Quem me dera, miséria,
eu me calasse
e ocultasse o meu rosto na janela.
Meus princípios mantêm-me assim exposto.
Sou mau gosto travado na goela.
Quem engole as palavras que eu digo
traz de volta a vontade de lutar,
elas tocam a ferida no umbigo
que o conformismo já ia cicatrizar.
Quem me dera, miséria,
quem me dera,
que de ti eu pudesse me livrar.
PERSONAGENS INFANTIS
Será que o lobo é tão mal.
O lobo ama também.
Ele protege os filhotes que tem.
Caçar, para ele é natural.
A chapeuzinho, talvez,
quando crescer seja outra.
Se torne uma megera
que não gosta de criança
e perca toda a esperança
de voltar ao que era.
O caçador, o herói tão valente
que salvou a vovozinha,
costuma matar friamente a fêmea,
deixando a cria sozinha.
Ele acabou sendo preso
por caçar ilegalmente.
A vovozinha morreu.
Pois, a idade a levou.
Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente.
Isso prova que a bondade e a maldade,
na verdade,
são apenas uma história diferente.
O POEMA QUE EU DEIXEI DE ESCREVER
O poema que eu deixei de escrever,
Falaria de você,
De nosso tempo,
De angústia, de tormento,
De alegria e de prazer.
Iria contradizer
Cada palavra
Que as nossas falas
Tinham pouco a dizer.
O poema que eu deixei de escrever,
Seria na verdade,
Uma ameaça.
Calaria minha boca,
Qual mordaça.
Não seria uma desgraça,
Por não ser.
Os meus versos,
Talvez fossem sem querer,
Uma ofensa
A sua crença,
Que eu acreditava
Ter.
O poema que eu deixei de escrever,
Não seria
De valia.
Sem valia,
O deixei de escrever.
SEPULTAMENTO
Os meus olhos pregados
no infinito
como os pregos nas tábuas
cravejados,
e de pontas viradas,
redobrados,
sustentados e fixos
numa curva.
No aconchego da madeira macia,
minhas costas
nos ossos da bacia
consolam meu corpo
tão curvado.
Pelo tempo que tenho acumulado,
a ferrugem do mundo
me comeu,
e a tampa que pregam
me prendeu
para sempre num rito consumado.
Por debaixo da terra
condenado
a ser parte da mesma
e não ser eu.
CANTO DE SEREIA
Como um canto de sereia
de belíssima harmonia,
letra correta, verdadeira poesia
e melodia
que eterniza nossa alma.
Por onde anda
a sereia encantada
nas profundezas desse mar de ignorância?
Letra incorreta com falta de concordância
e melodia
que nos faz perder a calma.
Só na lembrança,
o teu canto nos enleva
na emoção que tua voz nos faz sentir
e na saudade, o nosso coração desperta
pra realidade,
não há nada mais pra ouvir.
PEDESTAL DE BARRO
Revogo silêncio
ante palavra e voz.
Reato os nós
que me prendem ao medo.
Reavivo memórias
em busca de segredos
que já não interessam mais.
Reclamo por paz
em meio a intensa guerra.
Replanto a erva
que não nasce mais.
Relato as dores
de males e fome.
Repito o meu nome,
antes de dormir.
Reato os laços
que me prendem aqui,
ao pedestal de barro.
TORRE DE BABEL
O juiz do supremo,
Jeová,
se irrita e sai do sério,
quando seu filho Jesus
vai à noite, ao cemitério.
No boteco do Davi,
onde quem manda
é o Golias,
não há funda,
quem afunda
na cachaça, é o Isaías.
No salão do senhor Sansão,
quem faz o cabelo
é sua mulher Dalila.
As mulheres de Salomão,
o cafetão lá da vila,
choram e sentem solidão
quando estão de barriga.
Lúcifer anda arrasado,
o seu mundo virou trevas,
por ter visto abraçados,
Adão e a senhora Eva.
Noé, o velho barqueiro,
não gosta de animais.
No entanto, adora um peixe-frito
no barzinho lá do cais.
Essa torre de Babel
é o mundo em que vivemos,
onde não há inocência.
Se algum nome ou fato ofender,
é mera coincidência.
A MULHER DA MINHA VIDA
A mulher da minha vida,
Sempre é lida em meus versos,
De uma forma ou de outra.
É a sua voz que ecoa
Reclamando meu regresso.
É bem mais que uma amante,
Que uma amiga e companheira.
Necessária como a fonte
No deserto de areia.
A mulher da minha vida,
Entre linhas abstratas,
Põe em mim, doces palavras
E expressão de alegria.
A resumo em poesia,
Tal qual em cartas,
A saudade que nos mata
Se envia.
A mulher da minha vida
É a graça
Que um devoto em desgraça,
Alcançaria.
O LABIRINTO
Pelas ruas infinitas,
Não encontro meu destino.
Endereço repentino;
Então, me pára.
Não é nada;
Sigo em frente, o meu caminho.
A mim mesmo, ainda minto:
- Logo chegarei em casa.
Em calçadas,
Eu percorro o labirinto
(Cruzamentos, sinais verdes e paradas).
O suor não pára o tempo;
Lágrimas, enxuga o vento;
E um triste pensamento
Não se afasta.
A cidade, assim, se fecha em semelhança.
A lembrança,
À realidade, não se adapta.
Eu confundo o momento
E me perco no silêncio
De um triste monumento
Que me agrada.
Minha calma é necessária
Para espantar o medo,
Desvendar todo o segredo
Que o labirinto encerra.
Os meus pés seguem por terra,
Minha alma por promessa,
O meu corpo por saudade.
Edifícios, tais quais pedras,
Alicerçam a cidade;
Conduzindo minha mocidade
Eterna,
De encontro ao passado.
Eu me torno um condenado
Num presente adulterado,
Que me enterra.
Observo as vidraças
Das janelas,
Onde o sol ofusca a vista
Com a luz que é minha guia
Na escuridão tardia
Do passado.
Cada praça
Me congraça,
Tal um templo
Erigido como um marco à memória.
Cada uma conta a história
De seu tempo,
De sorriso e sofrimento,
De conquistas e derrotas.
Novamente, me encontro sem saída,
Apesar de tanta via planejada.
Já não reconheço nada
Do que havia,
Já não reconheço nada.
Alimento meu silêncio,
O tempo passa,
Onde pombos batem asas
Sem voar.
Não consigo encontrar
O meu caminho;
O meu ninho
Não encontro em meu lugar.
Continuo a me enganar,
Ainda minto,
Preso a esse labirinto
A me fechar.
À DERIVA
Posso até perder o brilho dos meus olhos,
Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza.
No esbanjar de pratos sobre minha mesa,
Vejo a fome refletida nos teus olhos.
O que faço se estou preso ao sistema
Onde a indiferença
Sobrepõe a caridade,
Onde a verdade
É varrida
Pra debaixo da mentira
E onde a vida
É um barco à deriva
Sem ações de piedade?
UM POUCO MAIS
Percebo
A minha vida esvaindo-se entre meus dedos
Em minha mão aberta
A dar adeus ao mundo
Pela janela.
A minha juventude
Em quietude eterna,
Silencia os meus dias.
As velhas alegrias
São lembranças tristes.
Os sonhos não resistem
Aos carinhos da morte.
E que meu sono suporte
Os meus pesadelos,
Já que meus apelos
Ao que me resta de força
Não me sustenta.
Talvez, o mundo não entenda
Esses meus ais.
Não tenho medo de morrer.
Eu só queria era viver
Um pouco mais.
O GRANDE DIA
Ai de nós se não fosse o profeta
Para converter o nosso coração.
Do contrário, Deus feriria a terra
Com terrível maldição.
Com o Senhor não há perdão.
Seu grande e terrível dia
Não será de alegria
E sim de destruição.
O poder de sua mão
É extremamente acintoso.
Deus é um ser ambicioso,
Quer de todos,
Atenção.
Não importa a condição,
Será imposto
Sofrimento e desgosto
Por qualquer contravenção.
Deus não quer nos dá lição,
Quer aniquilar a todos
Pelo caráter odioso
Que passou à criação.
EPITÁFIO XIV
Ela se aproxima
Sorrateira e linda,
Com seu manto escuro,
Sua mão suada.
Não nos pede nada,
Mas nos toma tudo.
Deixa então, de luto,
A pessoa amada.
Ela não se importa
Com aquele que fica.
Pois só se dedica
Ao que se despede.
Sorrateira, impede
Que a gente viva.
E sutil se infiltra
Sob nossa pele.
Ela só se afasta
Quando mata a alma
E deixa o corpo inerte.
ETERNA SOLIDÃO
O que eu tive na vida
Além da data esquecida,
Da dor no peito, contida,
E da perdida ilusão?
O que mantenho na mão,
Já na forma cadavérica,
Senão,
A luta sem trégua
Com os germes que a terra
Colocou em meu caixão?
Os meus feitos,
Foram em vão.
Meus defeitos,
Exaltados.
Não sou de Deus nem do Diabo.
Sou um louco condenado
A eterna solidão.
ESPANTALHO MORIBUNDO
Minha alma sempre está
Num silêncio tão profundo,
Que eu chego a duvidar
Que ainda estou no mundo.
Espantalho moribundo,
Onde a morte vem pousar.
Talvez para lhe falar:
Sinto muito! Sinto muito!
Num milésimo de segundo,
Volta o corpo a respirar.
Espantalho vagabundo,
Fecha os braços para o mar,
Abre os olhos para o mundo.
FRUTO SEM CASCA
Espalhando letras
Sobre velhas páginas,
Semeei palavras
Que insatisfeitas
Deram-me em colheita
Uma grande safra
De um fruto sem casca,
A minha tristeza.
Uma fruta fresca,
Presa pela boca
Em que uma ou outra
Tenta mordiscar,
Murcha sem parar;
Se tornando feia,
Seca na areia
Quando o vento dá.
Versos pelo ar,
Lágrimas e poeira,
Solidão na mesa
Onde o fruto está
Exposto, sem par,
Sem mostrar beleza,
É minha tristeza
A me alimentar.
HOMENS DE FUMAÇA
No arrastar de minhas sandálias
Pela casa,
Tenho as lembranças arranhadas
E esquecidas.
Por onde andam as conversas conduzidas
Pelos homens de fumaça?
Se desfizeram com o tempo,
Nas costas de um tênue vento,
Pela janela escancarada.
O velho barco na distância, ainda aguarda
Pela tripulação dispersa,
Numa espera
Que parece eternizada.
Em meio a tralhas,
Depuseram suas velas.
Em meio a elas,
O seu capitão se apaga.
O FRACASSO
Eu sei que a vida me leva em trapos.
Caldeirões de barro
De bruxos modernos.
Favelas de inferno,
Diversos buracos.
São armas de ferro.
São balas de aço.
Sou eu, o fracasso
De um programa sem sucesso.
Eu sei que a morte me olha de perto;
Que chego a sentir o seu frio abraço.
Eu fumo, eu prego
Minha mão no maço
De notas sem eco.
São barras de ferro.
Algemas de aço.
Eu sei que sou o fracasso
De um programa sem sucesso.
Eu sei que caminham lado a lado,
O errado e o certo,
A ira de Deus
E a fama do diabo,
Senhores e servos,
Patrões e empregados,
Progresso e atraso.
São os mãos-de-ferro
Em torres de aço.
Sendo eu, o fracasso
De um programa sem sucesso.
OLHOS DE AZULÃO
O que busca essa mulher
Pela qual minto,
Senão
A mesma solidão
Que sinto
Quando longe de seus olhos de azulão?
Os mesmos olhos
Que me olham da gaiola
Quando eu abro a porta
E eles vêem a imensidão.
SE FOSSEM SÃOS
A rima
É mera aflição
Dos versos que me espelham
Naquilo que são.
De forma nenhuma dirão
Do que são feitos.
Meus versos
Seriam perfeitos
Se fossem sãos.
Mas nada são,
Senão
Defeitos.
QUANDO CHORO
Onde andam os meus olhos
Quando choro,
Se não consigo encontrar
As minhas lágrimas?
Nas migalhas,
Além de meus remorsos?
Nos meus ossos,
Aquém de minha alma?
A FANTASIA
Amo você
Com o mesmo ardor da juventude,
Na quietude
De minha atual idade.
Amo-a na ausência
Como num dia de saudade,
Detenho-me a cada ínfima lembrança,
Com a mesma paz
Que traz
Aquela esperança
Após uma guerra.
Amo-a em terra
Com a cabeça pelas nuvens.
Amo atitudes
Que jamais seriam minhas,
Como entre linhas,
Leio uma poesia.
Amo como se ama o alvorecer
De cada dia,
Como o sorriso
Na inocente alegria
De um bebê.
E ter você,
Ainda parece utopia.
Mas, quis a vida
Que eu vivesse a fantasia
De meu ser,
Que é para sempre,
Você.
MINHA GERAÇÃO
Essa amargura
Que me faz um homem rude,
É mera atitude
De defesa.
Odeio a pobreza
Que aos pés de Deus se ilude;
Enquanto a juventude,
Nada almeja.
Desprezo a mania de grandeza
Que o rico tem com tudo.
Não sou um carrancudo
Por frieza;
Somente faço uso
Da tristeza
De um sisudo,
Por ser fruto
De uma geração que aceita.
SONETO DA VITRINE
(Sombras & espelhos)
A vidraça estilhaçada,
Não desfaz a minha imagem,
Não subtrai da cidade,
A luz do sol ofuscada.
De pé, fiquei na calçada
Com minha mão estendida.
Exorcizei minha vida
Na pedra que arremessara.
Por um instante, escutara
O som de ossos quebrados
Da montra fragmentada.
Meu corpo feito estilhaços
Que os passantes pisavam
Entre espanto e gargalhadas.
POETAS
(Sombras & espelhos)
São tantos os poetas
Quanto estrelas,
Dispersos em bandeiras
Pelo mundo.
Eternos e profundos
Pelas letras,
Em digressões soberbas,
Em dimensões sem fundo.
São tantos os poetas
Que o planeta,
Em tinta de caneta,
É resumo.
Enorme rascunho
Em línguas estrangeiras.
A tradução perfeita
Das emoções do mundo.
MOSAICO
(Sombras & espelhos)
Em minha mão,
Mil pedaços.
Antigo quadro,
Uma mesa,
Alguém que come calado
Com discrição ou tristeza.
E lado a lado
Na mais extrema destreza,
Enfileirado
Sob a antiga nobreza,
Assenta-se o mosaico.
Sob os meus pés, o passado
Em um quadrado,
Pintado
Nesse retalho do tempo.
Breve momento
Guardado
No mais antigo mosaico
Preso à calçada,
Ao tempo.
SÓ EM TE AMAR
(Sombras & espelhos)
Só em teus lábios,
Eu encontro meus gemidos.
Só em meus gritos,
Eu consigo te encontrar.
Como enganar
A emoção de estar aflito.
Eu te preciso
Como a noite, do luar.
Só em teus passos,
Eu caminho decidido.
Surpreendido,
Tento não justificar.
Sem teus abraços,
Os meus beijos são sofridos
Como os feridos
Que não podem se curar.
Só em te amar
É que eu encontro o sentido
De tudo aquilo
Que consigo imaginar.
NUMERAL UM
(Sombras & espelhos)
Eu atribuo
Minhas palavras ao poeta.
Uma espera
Numa tarde em jejum.
Nós como dois,
Dividimos.
No que dera?
Apenas um.
Eu me situo
Nas medidas de uma régua.
A mais complexa
Ou talvez a mais comum.
Sou menos um,
Minha conta se completa
Com menos um.
Eu me anulo
Numa soma que me zera.
Um dois que nega
A existência de mais um.
Sou incomum,
Tabuada que ainda preza,
Numeral um.
CONTRACEPTIVO
(Tríptico)
Eu não sei se é o desespero
que me leva à loucura
quando o sexo estupra
a minha alma,
ou a calma
que advém do meu tormento
pelo tempo
que passou em minha palma.
Movimento anormal
de penetração moral
em sua saia,
e no cheiro da indecência,
feromônio da ciência
em uma jaula.
Uma fera excitante
que no último instante, ofegante,
cospe a vida
no seu couro de borracha.
Não há luta, nem corrida;
há uma triste despedida
de um suposto vencedor
que foi fruto de um amor
e se enforcou
com a própria cauda.
SONHOS
(Tríptico)
Os meus sonhos
são apenas fragmentos de memória,
pequenos focos de luz
como cristais dispersados
num caleidoscópio de pensamentos,
distorções esdrúxulas da realidade.
Rumores, amores e momentos,
abertos numa gaveta destrancada.
Minhas pálpebras fechadas
num caixão de quase nada.
Um quase definido como os sonhos
que são versos que componho
numa noite agitada.
Movimento involuntário dos meus olhos,
que entre risos, ainda choro
por apenas acreditar sofrer.
Entre cartas mal escritas e seladas,
vem a calma ao chegar o amanhecer.
Vem enfim, o esquecimento
desse quase fingimento
que é sonhar.
EM DEMASIA
(Tríptico)
Eu sou demasiado triste,
pelos versos que componho.
Eu sou demasiado louco,
pelo pouco
que proponho.
Não deveria o mundo ser assim,
em demasia.
Talvez não seja o mundo,
seja enfim,
minha poesia
Demasiada em meu tédio,
sem remédio,
em grafia;
em longas noites mal dormidas;
nos insultos
que eu ouvia.
Não caberia em minha mão,
toda a visão
que em mim cabia.
Eu sou demasiado em tudo,
que ironia,
demasiado em meu luto
por ser fruto
de utopia.
Em demasia são os dias
que me escapam entre os dedos
como uma teia
que é lânguida e esguia.
O mais sublime pensamento
que perde tempo
em demasia.
Demasiado, meu tormento,
pelo tanto
que eu não via.
Demasiadamente eterno,
meu inferno em agonia.
Em demasia sou
quem sou,
um astronauta que acordou
num mundo estranho
em demasia.
DISLATE
(tríptico)
Talvez minhas palavras sejam tolas,
minhas ações, inconseqüentes;
as minhas brincadeiras, ironia;
eu próprio seja falho e negligente.
O meu discurso seja sátira;
minha seriedade, uma piada.
O meu humor seja mau gosto;
o meu dislate, permanente.
Meu riso entre dentes, atimia;
a minha faina seja ociosa;
meu pranto, uma lição jocosa
e o jeito infantil, idiotia.
Talvez a minha vida seja um fracasso;
meus versos, um engodo imoral.
Em epítome, sou um gracejo nefasto.
Meu desejo, um esboço abnormal.
TURGESCÊNCIA
(Sob meus calcanhares)
Eu sinto os teus cabelos
entre meus dedos,
teus lábios comprimidos
ao meu desejo,
o arfar de teu cansaço
entre meus braços
e ouço teus gemidos.
Vejo teus olhos tolhidos
fitar meu medo
de não tê-la satisfeito ainda.
Tenho todos os sentidos
na extensão do meu leito.
E no auge da turgescência,
me torno uma larva imersa
em teus fluidos.
O RAMO
(Sob meus calcanhares)
Onde está minha alma,
que não encontro?
Onde está meu encanto,
minha calma?
São perguntas que faço,
ainda em pranto,
ao meu eu freudiano
que me cala.
Onde está este anjo
que me fala?
Um quebranto
que minha mãe me pôs.
Ouço a antiga canção
que ela compôs
em minha rede embalada.
Vejo um ramo na árvore desfolhada,
resistir ao vento,
envergado.
Nesse instante me sinto
envergonhado
pelo meu triste pranto.
Minhas lágrimas
são simplesmente água
que faz falta ao ramo.
O DIÁLOGO
(Reticências desfeitas)
- Dou-te a palavra
para principiares o diálogo.
- Fico muito grata
por ceder-me o favor.
És muito amável.
Vou falar de amor,
sentimento imensurável
que é tão natural
quanto o desabrochar da flor.
- Já vou interpor.
O que tu estás dizendo?
O amor é um invento
cultural e sem valor.
- Estou espantada.
És um homem insensível.
O amor é indizível.
É nosso maior legado.
- É soma sem resultado.
O amor não é normal.
É estóico, irracional,
nos mantêm aprisionados.
- És um homem insuportável.
Mas o que dizes é refutável.
De que vale a liberdade,
sem motivo para a saudade.
- És uma eterna sonhadora.
De que vale um sentimento
que só nos provoca medo,
fraqueza e sofrimento.
- O amor é imortal.
A mais pura poesia.
Nos fere, é natural.
Mas compensa com alegria.
- É uma simples utopia.
Inconstante, passageiro.
Quem se entrega por inteiro,
viverá em agonia.
- Vou deixar por encerrado
o nosso breve diálogo
em tua cética pessoa.
Mas eu sei
não é à toa
que nós dois somos casados.
ELA
(Quadrilátero)
Ela me leva,
me engana
e ainda me desafia.
Levou meu corpo
para a cama,
enquanto me distraía.
Deu-me o fruto do pecado,
enquanto Eva,
e compensou com redenção,
quando Maria.
Em Joana D'arc
foi Vitória,
também rainha.
Já foi de todos
e só minha.
Ela é pouco e é demais.
Como Helena,
ela foi guerra.
Como Tereza,
ela foi paz.
INDECENTE
(Quadrilátero)
Não sou um cavaleiro imaginário,
apenas um vassalo
que caminha.
Pela realidade,
um escravo
que tem a ilusão
que é livre ainda.
Não sou nenhum beato,
nem um cão.
Eu não uso sermão
e nem batina.
Meu rosto
é palidez,
enquanto expiro.
Meu sexo
sem estilo,
estupidez.
MUNDO FICTÍCIO
(Pax-vóbis)
Uma criança brincava
Com a comida, na mesa.
Corria de pés descalços,
Sem ninguém a seu encalço,
Pela ruazinha estreita.
Não enxergava a sujeira,
No seu mundo fictício,
Do real desconhecido;
Tudo era brincadeira.
Contudo, era tão bonito
Ver o mundo d’aquela maneira:
Sem ter ódio,
Ser ter vício,
Sem sombra de sacrifício,
Sem pecado
E sem tristeza.
SOMBRA DE NANQUIM
(Pax-vóbis)
Que a vida,
Mesmo frágil, continue.
Que perdure
Meu amor, além de mim.
Que não tenham fim,
Meus passos pela rua.
Que dissipe sob a lua,
Minha sombra de nanquim.
A PEQUENA D’ARC
(Olhos de guri)
A guria
não gostava de pia,
de casinha ou fogão.
Para ela,
tudo era opressão.
Ela ouvira
sua mãe reclamar
que a mulher tende a trabalhar
só com água e sabão.
Por que não
brincaria de guerra,
de doutora,
de terra na mão?
A guria,
parecia antever
que seu mundo seria
uma doce ilusão.
A SOMBRA
(Olhos de guri)
Minha sombra
que se perde no escuro,
salta o muro
quando o sol
no céu desponta.
Se arrasta no chão duro,
se encolhe,
se estica,
passa rente a dobradiça
e se perde pela casa.
Mas à noite,
minha sombra cria asa,
voa quando saio a rua.
Pela luz que vem da lua,
minha sombra me abraça.
Me divirto e acho graça
quando atravessa a fogueira.
Minha sombra, não sou eu,
mas é minha companheira.
TAMBÉM SOU
(Letras, ...)
O louco
é apenas mal ouvido.
Seu riso,
tenebrosa gargalhada.
Sua fé,
um constante, eu duvido.
Sua mente,
uma porta escancarada.
Seu pedido de ajuda
é um grito.
Seu gemido incontido,
uma dor.
Seu amor,
um abraço emotivo.
Sem motivo,
eis que louco
também sou.
A GRAÇA
(Letras, ...)
Deus me deu o fardo
para eu achar pesado
o termo ser livre.
Deus me deu o espelho
para ver se aceito
esse meu rosto triste.
Deus me deu o segredo
para pensar, eu mesmo,
o que é ser tolice.
Deus me deu a culpa
para eu pedir desculpa
por qualquer deslize.
Deus me deu a dor
para eu sentir pavor
do seu dedo em riste.
Deus não me deu nada,
eu que faço a graça
crendo que ele existe.
VERSÃO REFRATADA
(Letras, ...)
Quantas vezes eu tive
que mergulhar no sorriso
para fugir do abismo
que é o existencialismo
de mim mesmo.
Quantos pueris desejos
entre prosaicas conversas.
Quando nada interessa,
meu mundo me dá medo.
Eu sou apenas ensejo
que o acaso consagra.
Uma versão refratada
na ilusão do que vejo.
Quando não me percebo,
é sinal de que eu mesmo
sou a soma do nada.
QUEM SOU EU
(De versos, ...)
Sou um jovem ateu
Que entra na igreja
Para tomar cerveja
E beber café.
Desconheço a fé,
Mesmo na ressaca.
Rio quando a graça
É de um milagre
De ser eu, um padre
Que toma conhaque
Num cálice de vinho
E vive sozinho
Pensando que sonha
Em ser um demônio
Que se sente Deus,
Ser o próprio Deus
Se sentindo humano,
Ser um santo insano
A brincar de ateu.
DESESPERANÇA
(De versos, ...)
Quem é essa
Que me tira o sono,
Que arrebata o dono
De uma humilde casa?
Quem é essa
Louca, desvairada,
Que ao seio me prende
Sem saber se sente
A dor que a outro causa?
Lábios que procuram vida
Carne apodrecida
No envelhecimento.
Quem é essa
Que corrói por dentro
Como um veneno
Sem nenhum antídoto?
Eu sou outro,
Sou um homem dito,
Dito morto
Pela agonia.
Quem é essa
Musa e tirania,
Mistura que havia
Desde minha infância?
Quem é essa
Triste companhia?
Talvez seja a morte,
A desesperança.
O MATUTO
(Cálice)
O matuto está triste,
cabisbaixo e pensativo.
Não encontra um só motivo
para saber se existe.
Tal canário sem alpiste,
preso a uma velha gaiola,
vendo longe a aurora,
sem ter ânimo pra cantar.
Com vontade de voar
para longe, ao horizonte;
a saudade o consome
antes mesmo de partir.
O matuto fica ali,
a pensar no que seria
sem a única companhia,
a choupana em que vive.
Tal amor só visto em versos,
o matuto é regresso
de um lugar que não existe.
SEM CONDIÇÃO
(Cálice)
Seus ombros à amostra,
me deixam insinuado.
Seu corpo ainda agora,
me deixa provocado.
Seus seios contornados
pela blusa,
me fazem sinal da curva
do seu corpo ondulado.
Seu jeito comportado
não me mantém à distância.
Na sua tolerância,
encontro o meu pecado.
Seus olhos não perturbam minha paz,
além do mais,
recebem meu recado.
Seu pare, deixa disso, mais cuidado,
só fazem aumentar o meu querer.
A dúvida faz crescer
minha ilusão,
que eu terei nas mãos
a chance de fazê-la entender.
Amar é mais que ter.
É aceitar querer
sem condição.
CONVÉS
(Cálice)
Foste meu caminho sem regresso
em um verso.
Minha poesia mais bonita.
Entre as estrelas,
rabisquei um só desenho,
o seu rosto,
como eu bem queria.
Foste a derradeira flor
perdida no deserto.
Em meu universo,
um farol de guia.
Arrancaste o aviso que dizia:
“Uma saudade”.
O vazio da idade,
preenchias.
Foste o colorido
de uma tela que eu pintava.
A mão que segurava o meu filho.
O espírito de um cético
que chorava.
A paz esperada
por um homem aturdido.
Foste o barco rijo
que sustenta a onda em fúria.
O pescador que nada
à procura de si mesmo.
Para mim,
a mais incrível criatura.
A doce loucura
do desejo.
Foste na verdade,
o meu mundo.
Hoje, na saudade,
apenas és
um velho convés
com o qual afundo.
GRAMATICAL
(Cabaz)
Só em letras imprimo minha alma.
Mais do que texto
sou contexto indecifrável.
Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.
Um sujeito indefinido
que é objeto de um erro
gramatical.
Entre modos e tempos,
triste verbo
que ecoa na forma nominal.
Orações que são subordinadas
aos meus vícios de linguagem.
Um início em letras ordenadas
e um fim
numa expressão oral.
AFLORA UM POETA
(Cabaz)
Assim se fez um poeta.
Como talhe na madeira
esculpi minha poesia.
De uma maneira fria
infundi minha alma no papel.
Nas costas de um corcel
cavalguei por entre versos;
muitas vezes sem regresso,
o poema, me tornei.
De um sono despertei
enquanto escrevia,
da caneta então fluía
as idéias que sonhei.
Quem sabe se eu errei?
Foram mais de trinta anos,
foram tantos desenganos
que poeta, me tornei.
INGÊNITO
(Cabaz)
Seguir os passos
a um lugar perdido na distância;
entrar na dança
de um ritual de acasalamento;
sentir nas mãos
o instintivo dom
que vem de dentro;
ouvir o som
de vozes ecoadas;
e nas entonações
das poesias declamadas,
revelar-se poeta.
LIAME
(Cabaz)
Sou livro
intitulado.
Um desabafo.
Sou todo
em parte.
Um lacre violado.
Sou tudo
num nada
dissipado.
És flor
dissecada
na mão aberta
em palma.
És colo e calma
na casa onde cresci;
moeda encontrada
que perdi;
o berço
em que nasceu
minh'alma.
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