terça-feira, 8 de outubro de 2013

O SUMIÇO DE CAGUIRA





            A sirene do carro de polícia ecoa na noite fria, as luzes dançam na escuridão do Morro da Esmola, os rapazes que estavam na Pracinha do Medo, se espalham com medo, não da pracinha, mas sim dos tiras. Nesse ínterim, na Rua da Derrota, alguém caminha em paz, despreocupado, não andava armado, sabia o que todo mundo sabia ali no morro, mas não era maluco de comentar nada.
            - Para aí, encosta, encosta, um suspeito. O Capitão Cristalino fala ao soldado Fubeca que dirige a viatura.
No banco de trás estão sentados o cabo Bordoeira e o também soldado Bordina. Todos descem do veículo de armas em punho, e gritam para o sujeito que caminhava em paz, deitar no chão com as mãos afastadas do corpo.
Enquanto o cabo Bordoeira revista o rapaz que está desarmado e estatelado no chão, os outros apontam seus revólveres para o dito suspeito.
- Capitão, o suspeito está desarmado. Aqui estão os documentos dele. Diz o cabo Bordoeira estendendo a mão para o  Capitão Cristalino.
            - Seu nome vagabundo e o que faz? Pergunta o Capitão.
            - Meu nome é Caguira, sou vagabundo não doutor, sou ajudante de pedreiro, trabalho com pedra de alicerce, com pó de cimento...
            É interrompido pelo chute entre as pernas dado pelo Capitão Cristalino que ao mesmo tempo fala:
- Eu sabia que era traficante, na gíria dos bandidos:  pedreiro é traficante, pedra é craque e pó é cocaína. Leva o meliante, põe na viatura e baixa o cassete.
            O percurso da Pracinha do Medo no Morro da Esmola até a sede da SM (Sede de Matar) se torna dez vezes mais distante para o Caguira que apanha tanto quanto chora, peida, grita, se caga e se mija. Somente o motorista soldado Fubeca não bate por que não pode soltar o volante, mas mesmo assim, se vira e cospe no rapaz que sangra por tudo quanto é buraco.
            Chegando à sede da SM, o Major Patego e mais o tenente Rabuja e os soldados Labrego e Rezingão, recebem o suposto traficante, ou ajudante de traficante, e continua a pancadaria. No interrogatório, sob tortura, não era possível ao Caguira responder às perguntas que vinham acompanhadas de bordoadas, porém com muito esforço ele ainda consegue murmurar: - Por favor, chamem a polícia, estou sendo ...
            É calado por um golpe de misericórdia de um dos policiais que ao ouvir o que ele dizia achou que era piada.
            Prática muita usada pelos traficantes, e de tanto usada foi aprendida pelos fardados, é a ocultação de cadáver, se é que se possa chamar o que restou do ajudante de pedreiro Caguira de cadáver, estava mais pra sopa cadavérica.
            Tirocínio constante na sede da SM, nenhum dos fardados se preocupou com o que poderia acontecer, mas aconteceu, o rapaz realmente era inocente, coisa que eles já sabiam, mas não sabiam que ia dar tanta repercussão na mídia.
            Uma boa estória foi inventada, além de coação a testemunhas, e outros males do ofício de quem é pago para servir  ao povo, mas não dessa forma claro.
            De acordo com os fardados envolvidos no sumiço do ajudante de pedreiro Caguira, o mesmo teria saído caminhando e teria descido os degraus da escadaria que havia na saída da sede da SM, onde haviam duas câmeras quebradas, que eles tinham conhecimento; no entanto, havia uma terceira câmera, que eles não tinham conhecimento, no final da dita escadaria que conseguiu filmar a saída de Caguira. Não serviu como prova de defesa aos fardados porque quem desceu a escadaria foi a alma de Caguira, e a gente sabe que não se filma alma.

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