A
sirene do carro de polícia ecoa na noite fria, as luzes dançam na escuridão do
Morro da Esmola, os rapazes que estavam na Pracinha do Medo, se espalham com
medo, não da pracinha, mas sim dos tiras. Nesse ínterim, na Rua da Derrota,
alguém caminha em paz, despreocupado, não andava armado, sabia o que todo mundo
sabia ali no morro, mas não era maluco de comentar nada.
- Para aí, encosta, encosta, um suspeito.
O Capitão Cristalino fala ao soldado Fubeca que dirige a viatura.
No banco de trás
estão sentados o cabo Bordoeira e o também soldado Bordina. Todos descem do
veículo de armas em punho, e gritam para o sujeito que caminhava em paz, deitar
no chão com as mãos afastadas do corpo.
Enquanto o cabo
Bordoeira revista o rapaz que está desarmado e estatelado no chão, os outros
apontam seus revólveres para o dito suspeito.
- Capitão, o suspeito está desarmado. Aqui
estão os documentos dele. Diz o cabo Bordoeira estendendo a mão para o Capitão Cristalino.
- Seu nome vagabundo e o que faz?
Pergunta o Capitão.
- Meu nome é Caguira, sou vagabundo não
doutor, sou ajudante de pedreiro, trabalho com pedra de alicerce, com pó de
cimento...
É
interrompido pelo chute entre as pernas dado pelo Capitão Cristalino que ao
mesmo tempo fala:
- Eu sabia que era traficante, na gíria dos
bandidos: pedreiro é traficante, pedra é
craque e pó é cocaína. Leva o meliante, põe na viatura e baixa o cassete.
O
percurso da Pracinha do Medo no Morro da Esmola até a sede da SM (Sede de
Matar) se torna dez vezes mais distante para o Caguira que apanha tanto quanto
chora, peida, grita, se caga e se mija. Somente o motorista soldado Fubeca não
bate por que não pode soltar o volante, mas mesmo assim, se vira e cospe no
rapaz que sangra por tudo quanto é buraco.
Chegando
à sede da SM, o Major Patego e mais o tenente Rabuja e os soldados Labrego e
Rezingão, recebem o suposto traficante, ou ajudante de traficante, e continua a
pancadaria. No interrogatório, sob tortura, não era possível ao Caguira
responder às perguntas que vinham acompanhadas de bordoadas, porém com muito
esforço ele ainda consegue murmurar: -
Por favor, chamem a polícia, estou sendo ...
É
calado por um golpe de misericórdia de um dos policiais que ao ouvir o que ele
dizia achou que era piada.
Prática
muita usada pelos traficantes, e de tanto usada foi aprendida pelos fardados, é
a ocultação de cadáver, se é que se possa chamar o que restou do ajudante de
pedreiro Caguira de cadáver, estava mais pra sopa cadavérica.
Tirocínio
constante na sede da SM, nenhum dos fardados se preocupou com o que poderia acontecer,
mas aconteceu, o rapaz realmente era inocente, coisa que eles já sabiam, mas
não sabiam que ia dar tanta repercussão na mídia.
Uma
boa estória foi inventada, além de coação a testemunhas, e outros males do
ofício de quem é pago para servir ao povo,
mas não dessa forma claro.
De
acordo com os fardados envolvidos no sumiço do ajudante de pedreiro Caguira, o
mesmo teria saído caminhando e teria descido os degraus da escadaria que havia
na saída da sede da SM, onde haviam duas câmeras quebradas, que eles tinham
conhecimento; no entanto, havia uma terceira câmera, que eles não tinham
conhecimento, no final da dita escadaria que conseguiu filmar a saída de
Caguira. Não serviu como prova de defesa aos fardados porque quem desceu a
escadaria foi a alma de Caguira, e a gente sabe que não se filma alma.
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